- Mesmo desiludidos, é preciso viver. No Hospital de Maria, no
Plano Espiritual...
Não existe olhar mais tristonho que o de
remorsos, e por ali era só o que víamos. Aproximei-me de uma jovem que se havia
atirado do alto de um edifício. Ela caminhava devagar; observando-a, pareceu-me
estranha: era como se ela fosse de porcelana e houvesse trincado. Nas partes em
que sofrera fratura no corpo físico, apresentava, ainda, dificuldade de
movimentos.
Sorri. Meio
envergonhada, retribuiu-me o sorriso, iniciando a conversação:
- És suicida?
- Não, não sou.
Aqui me encontro em estudo.
Com triste
expressão, falou:
- Deve ser muito
bom vir até aqui na condição de estudante.
- Por que se
suicidou?
- Fui abandonada
pelo namorado e julguei que sem ele não suportaria viver.
- Irmã, há
quanto tempo isso aconteceu?
- Há dez anos. O
remorso me corrói o espírito. Muitas vezes me apalpo, procurando em mim algo
que possa interromper a vida. Parece-me que desde aquele terrível dia jamais
minha mente cessou de trabalhar; é um desespero constante. Por mais que eu
receba ajuda, sinto-me consciente a cada momento do meu gesto impensado.
Como é mesmo o
teu nome?
- Luiz Sérgio
falei, estendendo minha mão em sinal de sincera amizade.
- Luiz Sérgio,
não sei por que não existe na Terra campanhas de esclarecimento sobre o
suicídio.
Fala-se tanto em
aborto, em assassinato, em furto, mas ninguém se lembra de alertar sobre o pior
dos crimes. Vamos até o jardim, sinto-me ainda muito cansada, lá saberás tudo.
Bem alojados sob
um belo caramanchão florido, esperei pacientemente que ela iniciasse o relato:
- Tinha eu
quinze anos quando conheci Alexandre. Foi amor à primeira vista:
apaixonamo-nos, um pelo outro. Inebriante, entregamos-nos intimamente e, quando
percebi, eu não era mais a querida namorada e sim a mulher da qual ele vinha se
cansando. Fui ficando ciumenta, desesperada, insegura, e as minhas reclamações
o cansavam cada vez mais. Um dia ameacei-o de contar tudo a meu pai. Olhando-
me firmemente, redarguiu: Não foste forte e cuca livre para assumir um caso?
Então, tem agora dignidade pra compreender que tudo acabou. Foi belo enquanto
durou. Nem podes, Luiz, imaginar o que me aconteceu.
Ele tinha razão:
eu não estava preparada para uma entrega tão íntima. Qualquer mulher, quando
chega a uma situação como essa, precisa estar despojada de preconceitos e eu
sempre sonhara entrar de braços dados com meu pai em uma igreja florida e o meu
príncipe me esperando no altar com o olhar de homem apaixonado.
- Então, por que
você iniciou essa aventura?
- Paixão e falta
de coragem para negar.
- Mas hoje,
Lucy, as menininhas estão indo nessa e, muitas se casando apenas por casar. Nem
sempre a orientação sobre liberdade é a correta e assim vários jovens estão se
vendo presos em uma rede de remorsos. Mas e depois? Conte minha irmã, eu a
interrompi.
- Alexandre
começou a me evitar. Bastava eu chegar onde ele estivesse, para que se
retirasse. Um dia fui procurá-lo em sua casa e lá encontrei uma jovem de minha
idade, que me foi apresentada como sua noiva. Abafei um grito em meu peito, tal
a minha dor. Quando de lá saí, só desejava morrer. Chegando a casa, tomei a
decisão e saltei, à procura da morte. Mas ela não existe e me vi estirada, toda
moída, lá no asfalto. Perdi a noção do tempo; lembro-me apenas que uma velhinha
sempre ficava ao meu lado, dando-me forca através da prece: era minha avozinha.
Muitas vezes desejei levantar, mas podes imaginar alguém todo quebrado? Assim
era a minha realidade. Pensei demais, ate que um dia minha avó ajudou-me a me
erguer e, com dificuldade, conseguimos dali sair, chegando até um centro
espírita. Graças às preces aos suicidas, recebemos um cartão que nos permitia
um tratamento na própria casa. O meu sofrimento só cessaria quando eu tivesse
setenta e cinco anos, época em que estava programado o meu desencarne natural.
- Irmã, por que
tudo isso? Temos presenciado suicidas já conscientes, que não padeceram tanto.
- Luiz, muitos
aprenderam a desencarnar, e depois, cada caso é um caso.
- E daí, Lucy?
Pode continuar…
- Sim, faz-me
muito bem recordar, principalmente os tratamentos nos grupos especializados.
Ah, isso é ótimo! Gostaria de relatar. Éramos levados até o grupo mediúnico,
pois que internados nos encontrávamos naquele Centro. Quando entrávamos na
sala, muitos sentiam o odor forte, nós, principalmente, éramos atormentados com
o cheiro dos nossos próprios corpos putrificados e, muitas vezes, tínhamos a
impressão de que os vermes nos corroíam. O grupo mediúnico que prestava auxilio
era composto de pessoas muito equilibradas, já que nós nos perdêramos por
fraqueza. Não podes imaginar o alivio que experimentava o espírito de um
suicida ao contato com um médium amoroso. Quando o mentor nos aproximava do
médium, era como se o nosso espírito adormecesse, anestesiado pelos fluídos
bons do encarnado, afastando-se de nós aquela desagradável sensação que
vínhamos experimentando desde o instante do ato impensado. Muitos choravam
quando eram retirados de juntos do médium; era como se nos tirassem o oxigênio.
Luiz Sérgio
existe tão poucos grupos que prestam ajuda aos suicidas! Para esses grupos, não
são necessários médiuns de psicofonia, pois muitas vezes o suicida não deseja
falar, almeja, apenas, deixar de sentir o desespero. Enganam-se aqueles que
organizam grupo de auxilio ao suicida, somente com os chamados médiuns de
incorporação. Os encarregados devem aproveitar aqueles que são ótimos
auxiliares do Cristo, mas ainda esquecidos na Doutrina, os médiuns doadores. Só
o contato do doente com um médium equilibrado já o beneficia. E ali, Luiz
Sérgio, permaneci muitos meses, até que um dia fui trazida até aqui, onde já me
sinto curada. Sei, entretanto, que levarei de volta, quando reencarnar, um
corpo doente, porque eu mesma o destruí e só o meu coração regenerado poderá curar-me.
Esforçava-se
para não chorar. Segurei a mão de Lucy e, com os olhos orvalhados de lágrimas,
falei-lhe:
- Minha querida
irmã, jamais a esquecerei; sempre que eu puder, virei revê-la. Você representa
também para mim uma mão estendida. Mão esta que precisou ser marcada pela dor,
para voltar à vida.
- Obrigada, Luiz
Sérgio, fico contente por ter-te conhecido. És muito bacana; a tua alegria me
fez lembrar o passado, quando eu sonhava em ser feliz.
- Sonhava não,
Lucy, sonha, porque como diz Ocaj: Não assassinemos as nossas realidades para
não distanciarmos nossos sonhos.
Ela me fitou e
pela primeira vez vi a esperança naqueles belos olhos azuis. Apertando bem
forte sua mão, despedi-me. Caminhei, pensando: Deus, como sois poderoso em tão
bem nos compreender. Se hoje nada desejamos, amanhã, em busca de algo nos
encontraremos e assim, Pai, ides compreendendo as nossas fraquezas e não nos
ofertando por ofertar e sim, quando já adultos, soubermos o que desejamos.
Hoje, Senhor, peço-Vos por todos aqueles que vivem duras e cruéis realidades e
estão em vias de deixar tudo para trás através do suicídio.
Fortalecei,
Senhor, os Seus protetores para que possam segurar bem firme essas almas em
desespero.
Que estas linhas
possam chegar às mãos de todos aqueles que desesperados se encontram e que eles
saibam que deste lado do horizonte existe alguém que todos os dias pede a Deus
muita paz e muito amor para todos os seus irmãos.
Eu amos todos
vocês, meus queridos amigos.
Luiz Sérgio,
Livro Mãos Estendidas, cap. V, pág. 29
FONTE - ESPÍRITIBOOK