terça-feira, 18 de setembro de 2012

MÃE - HEROÍNA ANÔNIMA

 
 

 


Quando cheguei ao leito de Alfredo Cortes, debatia-se o velho entre as raias da morte.

Afastei o populares que se aglomeravam ao pé do quarto, e pedi garantias para examiná-lo severamente.

O coronel Cortes fora vítima de traiçoeiro golpe agonizava sem esperança.

O punhal atingira o coração e, condoído, sentei-me, desarvorado.

- Coronel - perguntei, ansioso - quem lhe fez isso?

O moribundo , buscou em vão, mover os olhos na direção do grande cofre violado e ciciou um nome.

- A...prí...gio...

Senti-me empolgado de horror. Aprigio era o rapaz que ele amava como a um filho. Aprígio fora enjeitado à porta de Cortes , quando D. Alzira, a esposa, ainda estava na Terra. O casal sem filhos exultara. Muitas vezes vira eu os amigos em passeio para distrair a criança. Aprígio crescera mimado, respeitado, protegido. Não quisera cursar escola de ensino superior; entretanto recebera instrução suficiente para desempenhar profissão respeitável. Costumava encontrá-lo, à noite, junto à amigos desocupados. Nunca podertia suspeitar, porém, de que estivesse caminhando para semelhante loucura.

O coronel cravou em mim os olhos embaciados, conquanto lúcidos e expirou. Chegara o fim.

Emocionado, abri passagem, de modo a notificar meu apontamento à polícia, mas a sala continuava povoada de vozes ásperas.

Dei alguns passos e estaquei.

- É ela! é ela!

Madalena Leandro, pobre lavadeira, era puxada pelos cabelos.

Aprígio estava à frente do grupo, gritando com veemência.

Madalena fora apanhada no telhado, mostrando enorme aflição. Acusada, não se defendera. Tudo inclinava a autoridade a crer fosse ela a homicida.

Intrigado, avancei para a infeliz perguntando:

- Diga, Madalena! Confesse! Foi realmente você?

A desditosa mulher, em silêncio, fixou em mim os olhos agoniados, à maneira de triste animal sentenciado a morte.

Havia um imperativo em minha pergunta, que a mísera, como que hipmotizada, confirmou sob o pranto pesado a lhe escorrer pelo rosto.

- Sim.. fui eu!

- Assassina! Assassina! - clamou Aprígio colérico - E o dinheiro? onde está o dinheiro?

Como a acusada não respondesse, o moço precipitou-se de punhos cerrados e, a esmurrar-lhe o peito, bramia desesperado:

- Dia! diga! Maldita! Maldita!

A infeliz tombou de joelhos e rogou, súplice:

- Piedade! pelo amor de Deus, tenham piedade de mim!

Busquei debalde interferir, para evitar novo crime, quando o rapaz lhe aplicou um pontapé à altura dos pulmões e a lavadeira rolou, desgovernada. O sangue borbotava-lhe agora da boca trêmula e, revoltado. consegui acalmar os ânimos.

E ouvindo-me a defendê-la, o responsável pela ordem ponderou:

- Doutor, compreendemos a sua indignação, mas, afinal de contas o pobre rapaz está possesso de angústia... Acaba de perder o pai e, sinceramente, no lugar dele, não sei se me comportaria de outra maneira.

Entendi que a hora não admitia réplicas e solicitei fosse Madalena conduzida à prisão para as medidas aconselháveis. Mas, continuei de atenção voltada para o assunto.

Perseguida por Aprígio, a infortunada mulher foi submetida a inquirições humilhantes. Sempre que interrogada, declarava-se autora do estranho homicídio, mas instada, a dizer algo sobre,o furto, calava-se, e com isso sofria novas torturas.

Procurei o juiz indicado para o processo, em segredo, esclarecendo-o quanto à minha observação em caráter de confidência. E, após atender-me, o magistrado, gentil, promoveu acareações.

Aprígio foi chamado a depor, diante da ré.

E fazendo força para atingir sua consciência não vacilei em arrolar-me entre as testemunhas. Percebendo-me, todavia a atitude, explicara que o velho desde algum tempo mostrava sintomas de alienação mental. Esquecia nomes familiares, truncava referências. E acentuava que não tinha dúvidas quanto a culpabilidade de Madalena. Decerto, ela enterrara o dinheiro roubado e algum lugar. Madalena fora, em outro tempo, lavadeira da casa. Conhecia passagens e escaninhos.

A acusada ouvia, em lágrimas, silenciando... Se alguém perguntava, ao fim do interrogatório:

- Mas foi você? - Madalena chorava muda, fazendo gesto afirmativo.

O sofrimento, contudo, alquebrara-lhe as forças. Anotando-me o interesse pela infeliz, a autoridade judiciária permitiu pudesse, de minha parte hospitalizá-la para tratamento preciso.

A acusada, entretanto, como se houvesse desistido da existência, não mostrou qualquer reação favorável na saúde e, ao cabo de vinte dias, providenciava-lhe o enterro de última classe.

E a vida continuou na marcha irrefreável.

Por muito tempo, demorei-me ainda entre os homens, e assisti a ascenção e à queda de Aprígio. Dono da regular fortuna que herdara em testamento do coronel, prosperou à princípio, para cair, mais tarde em descrédito, depois de largos anos em jogatina e dissipação. Findo longo período de enfermidade, morrera, internado em um hospício.

Um novo dia, entretanto, chegou para mim e também vi-me de retorno ao plano espiritual. A morte do corpo renovara-me a alma e, em pleno acesso a lutas diferentes, dentre os amigos que vieram trazer-me o abraço afetivo, Madalena surgiu, nimbada de luz.

Conversamos, alegremente, e porque o passado me batesse em cheio na tela da memória, formulei a pergunta discreta... Afinal, onde estava a verdade? Não fora Aprígio o autor do assassinato?

A heroína, porém, fitando-me de frente, tudo esclareceu, respondendo, calma:

- Doutor, nada pude falar, porque Aprígio, o infeliz criminoso, era meu filho...

(Texto extraído do livro Almas em Desfile. Psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira - Espírito Hilário Silva).

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