É fácil saber se uma pedra foi retirada de um
rio ou se foi quebrada em uma pedreira. As de pedreira apresentam muitas
quinas, são ásperas e irregulares, agressivas ao tato. As pedras de rio são
lisas e roliças, já sofreram um polimento natural. Ao longo do tempo, a
correnteza das águas vai se encarregando de atirá-las umas contra as outras,
para arredondar-lhes as arestas. Na medida em que vão se tornando polidas, vai
sendo reduzido o atrito entre elas, já não se ferem, deslizam harmoniosamente
umas entre as outras, como esferas lubrificadas de um rolimã.
O processo evolutivo espiritual das criaturas humanas pode ser comparado
ao do burilamento das pedras de rio. O Espírito é criado puro e ignorante.
Puro, porque não traz qualquer tendência para o mal. ignorante, porque não
adquiriu ainda qualquer conhecimento. Ao longo das reencarnações sucessivas, a
correnteza da vida também nos atira uns contra outros: somos levados a conviver
entre semelhantes. Em nossa infância espiritual, ainda como pedras-brutas, essa
convivência é marcada pelo atrito entre nossas arestas. A rusticidade do homem
das cavernas nos mostra o que foram nossas primeiras encarnações; o instinto
animal predominando sobre a razão e o sentimento, a matéria sobre o Espírito, o
estado de guerra como condição permanente.
Passaram-se séculos e milênios, abandonamos as cavernas, participamos da
construção, do apogeu e da queda de diferentes impérios, vivenciamos diversas
culturas. Com as conquistas da ciência, domesticamos a natureza, transformamos
a paisagem ao nosso redor, descobrimos como tornar a existência mais
confortável. Observando, no entanto, nosso mundo interior, nos deparamos com a
presença incômoda e persistente de imperfeições atávicas, paleolíticas. A
História nos revela que, mesmo após deixar as cavernas, o homem conservou
traços do troglodita em sua intimidade espiritual. Pois foi nossa ignorância
rústica que, diante da vacilação de Pilatos, exigiu o martírio do doce Jesus.
Foram nosso orgulho e nosso egoísmo que produziram as guerras, os massacres das
Cruzadas, as fogueiras da Inquisição e os horrores da Escravatura. Ingênuos os
que supõem que não estavam lá. Assim, ao longo desses séculos, avançamos muito
mais no progresso material, exterior, do que a jornada ética, íntima, do
Espírito.
"A evolução espiritual é contínua, não regride nunca, mas pode ser
retardada em seu processamento se não se aproveitar bem a oportunidade que Deus
concede ao Espírito reencarnante." (FEB, Currículo para as Escolas de
Evangelização). Viver em sociedade é aspecto essencial desta oportunidade.
Freqüentemente nos sentimos inconformados por termos de conviver com pessoas
que nos aborrecem, nos irritam, nos são antipáticas, mas essa convivência é um
dos processos naturais de nosso burilamento. Tais pessoas são indispensáveis:
elas nos incomodam exatamente em nossos pontos mais fracos, mais sensíveis, e
nos apontam, portanto, quais são esses pontos, quais são nossas piores arestas:
os que precisam de ajuda incomodam ao nosso egoísmo, os que julgamos melhores
que nós nos ferem a vaidade e o orgulho, e assim por diante. Cada conflito é um
alerta e um roçar polidor de arestas. Quanto mais ásperos somos, mais dolorosos
são os atritos, pois a dor é conseqüência de nossos atos de desamor para com o
próximo, nesta ou em outras existências.
Diferentemente das pedras, entretanto, a criatura humana, sendo dotada
de inteligência, consciência e livre-arbítrio, pode escolher caminho evolutivo
menos doloroso. Jesus nos aponta o rumo: amarmo-nos uns aos outros. Nenhum de
nós Foi criado para sofrer e o amor pode livrar-nos da dor, pois ele nos
"cobre a multidão dos pecados" (1 Pedro IV, 8).
A evolução é lei universal e irrevogável, mas dois caminhos nos são
oferecidos para percorrê-la: dor ou amor. A prática do amor proporciona
polimento indolor em nossas almas, suaviza-nos as arestas, desenvolve-nos o
altruísmo, harmoniza nossa convivência com os semelhantes. A decisão é sempre
nossa.
Autoria:Maurício Roriz
Revista Espírita
Allan Kardec, nº 39.
FONTE - ESPIRITBOOK